1. O que são contratações públicas?
O termo “aquisições”[1], na abordagem deste trabalho, se refere à compra de bens, à contratação de obras ou serviços, ou esses em conjunto — com ou sem licitação, com ou sem a formalização de contrato.
A atividade de aquisições, no Brasil, tem forte relação com a geração de resultado para a sociedade, pois é o principal instrumento escolhido pela Constituição Federal (art. 37, XXI) para que o Estado faça uma boa gerência dos recursos públicos (BRASIL, 1988).
Com exceção das transferências diretas ao cidadão, como Auxílio Brasil e Seguro Defeso, por exemplo, praticamente toda política pública depende de contratação, desde a construção de hospitais, escolas, estradas, compra de medicamentos, alimentação escolar, transporte escolar etc.
Nesse sentido, a Figura 1, destacada a seguir, apresenta a distribuição dos dados informados por 369 organizações da Administração Pública Federal (APF) ao Tribunal de Contras de União (TCU) com respeito à criticidade das aquisições para as suas três ações orçamentárias consideradas mais relevantes. Nela, é possível observar que somente 4% das organizações afirmaram não ter suas atividades relevantes afetadas pelas aquisições, ao passo que praticamente metade (47%) param imediatamente suas ações se não ocorrerem aquisições:

Além disso, a atividade de contratações é importante pelos seguintes motivos:
- envolve aproximadamente 15% do Produto Interno Bruto (PIB), alcançando um montante estimado de R$ 900 bilhões/ano (BANCO MUNDIAL, 2017[2]; RIBEIRO, INÁCIO, TORTATO, LI, 2018[3]). Entre países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média de gastos com contratações públicas representa 12% do PIB por ano e este percentual pode aumentar para 20% a 30% para países em desenvolvimento (OCDE, 2020[4]). Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) (2019[5]), os valores gastos com compras governamentais no Brasil representam 12,5% do PIB (média calculada no período de 2006 a 2016).
- Em 2023, o valor total homologado em despesas licitáveis realizadas nas modalidades pregão, concorrência, tomada de preços, convite e concurso na Prefeitura de Pantanal do Norte/MT correspondeu ao montante de R$ 102.540.360,00, conforme apresentado a seguir:
Tabela 1: Valor homologado em despesas licitáveis no exercício de 2023
Modalidade | Quantidade | Percentual | Valor | Percentual |
Pregão | 380 | 92,68 | 98.034.405,65 | 95,61 |
Concorrência | 7 | 1,71 | 2.753.440,16 | 2,69 |
Tomada de Preços | 18 | 4,39 | 501.521,80 | 0,49 |
Convite | 3 | 0,73 | 53.763,04 | 0,05 |
Concurso | 2 | 0,49 | 1.197.229,90 | 1,17 |
Total | 410 | 100 | 102.540.360,00 | 100 |
- dados da OCDE (2014) apontam que mais de metade dos subornos e propinas detectados no planeta ocorrem na atividade de contratações públicas; e
- tem riscos de fraudes significativamente altos, representando 74% dos casos (ACFE, 2014[6]).
Reforçando esse cenário e comprovando que o problema não é exclusivo do setor público, a Pesquisa Global sobre Crimes Econômicos da PricewaterhouseCoopers, realizada em 2018, apontou a fraude em compras como o segundo tipo mais comum de crime econômico em organizações privadas, atrás apenas do roubo de ativos (PricewaterhouseCoopers, 2018[7]).
Nessa seara, casos de corrupção e ineficiência afetam não apenas as organizações que estão contratando, mas, no final das contas, prejudica toda a sociedade, pois a compra pública tem que gerar valor para o cidadão na forma de escolas, hospitais, estradas, medicamentos, alimentação escolar etc.
Um delegado da Polícia Federal ilustrou os efeitos nefastos da corrupção e da ineficiência no Brasil referenciando um estudo do Ipea, que indicou forte relação entre os investimentos em saneamento básico e óbitos infantis, permitindo chegar ao custo de uma vida: cada 50 mil reais desviados do erário representa a morte de uma criança (Acórdão TCU n.º 1744/2018-P).
Por esses motivos, considerando o elevado volume de recursos envolvidos, a complexidade do processo, a interação próxima entre funcionários públicos e fornecedores, bem como a multiplicidade de atores interessados, a OCDE qualifica as compras públicas como uma das atividades governamentais mais vulneráveis à corrupção e má gestão dos recursos públicos (OCDE, 2016[8]). Para o Government Accountability Office (GAO[9]) (2005), a função “aquisição” em várias agências federais dos EUA está na lista de alto risco de fraude, desperdício, abuso e má gestão.
[1] Por conveniência, as expressões “aquisições públicas”, “contratações públicas” e “compras públicas” serão tratadas como sinônimas neste trabalho de avaliação.
[2] BANCO MUNDIAL. Um ajuste justo, análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Banco Mundial, 2017.
[3] RIBEIRO, C., INÁCIO, E., TORTATO, A.; LI, Y. Unveiling the public procurement market in Brazil: A methodological tool to measure its size and potential. Wiley Online Library, 2018
[4] OCDE. COVID-19: Competition and emergency procurement. OCDE, 2020.Disponível em: https://www.oecd.org/competition/COVID-19-competition-and-emergency-procurement.pdf.
[5] SILVA, Mauro Santos. Empresas estatais: políticas públicas, governança e desempenho. Mauro Santos Silva, Flávia de Holanda Schmidt, Paulo Kliass (Orgs.). Brasília: Ipea, 2019.
[6] ACFE. Association of Certified Fraud Examiners. Report to the nations. 2014 global study on occupational fraud and abuse. Government edition. ACFE, 2014.
[7] PWC. Pricewaterhousecoopers. Pesquisa global sobre crimes econômicos. Brasil, 2018.
[8] OCDE. Preventing Corruption in Public Procurement. OCDE, 2016. Disponível em: https://www.oecd.org/gov/ethics/Corruption-Public-Procurement-Brochure.pdf.
[9] GAO. United States Government Accountability Office. Framework for Assessing the Acquisition Function at Federal Agencies. Washington: GAO, 2005.